A nova série do SporTV e Globoplay, intitulada ‘1995, No Tempo dos Bad Boys’, traz à tona um dos episódios mais dramáticos e repercutidos daquele ano: o trágico acidente envolvendo o então jogador Edmundo, que resultou na morte de três pessoas. O terceiro e último episódio da produção, que vai ao ar às 20h no SporTV e estará completo no Globoplay, promete revisitar os detalhes daquela madrugada carioca.
O incidente ocorreu em 2 de dezembro de 1995, após as 3h, na Avenida Borges de Medeiros, no Rio de Janeiro. Edmundo, acompanhado de quatro pessoas, colidiu seu Cherokee com um Fiat Uno, desencadeando uma tragédia que marcaria sua vida e a memória do futebol brasileiro.
A matéria do ge, que consultou os sete volumes do processo de 1995 no Acervo Permanente do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, além de advogados e envolvidos, detalha o que se sabe sobre o caso que chocou o país e gerou um longo debate judicial, conforme informações divulgadas pelo ge.
A Madrugada Trágica de 1995 e Suas Vítimas
Naquela fatídica madrugada de sábado, Edmundo saía de uma boate na Lagoa, no Rio de Janeiro, quando seu veículo colidiu com um Fiat Uno. O impacto foi devastador, resultando em três mortes: uma instantaneamente no local e duas durante o atendimento no hospital Miguel Couto.
As vítimas fatais foram identificadas como Carlos Frederico Pontes, de 23 anos, que dirigia o Fiat Uno e faleceu por traumatismo craniano e lesão encefálica. Sua namorada, Alessandra Perrota, de 20 anos, também no Fiat, morreu por fratura de crânio e edema cerebral. Joana Couto, de 16 anos, que estava no banco traseiro do carro de Edmundo, veio a óbito por traumatismo de tórax e abdômen, com diversas lesões, hemorragia interna e anemia aguda.
No carro de Edmundo, além de Joana, estavam Roberta Campos no carona, Marckson Pontes, amigo do jogador, atrás do motorista, e Deborah Ferreira, atrás do carona. No Fiat, além de Carlos Frederico e Alessandra, estava Natasha Ketsze no banco de trás, que sobreviveu ao acidente.
A Perícia e a Controvérsia da Velocidade
Dois peritos criminais analisaram o local pouco depois do acidente, às 4h10, segundo o boletim. A conclusão da perícia, conforme o ge, apontou que o carro de Edmundo ‘sofreu desvio direcional à sua direita, impactando com o seu pneumático anterior no setor látero posterior esquerdo’ do Fiat, ou seja, o pneu dianteiro do lado do carona de Edmundo atingiu a traseira esquerda do Fiat.
Os peritos concluíram que a ‘causa determinante do evento’ foi o ‘desvio direcional à direita da unidade 2 (Jeep, de Edmundo) em razão da força centrífuga, ocasionada pela velocidade inadequada ao local em causa, por parte do condutor da referida unidade, ocasionando o acidente e agravando as suas consequências’.
Embora a perícia não tenha estimado a velocidade exata dos carros, ela ressaltou que a via, sem placas delimitadoras, apresentava características para uma velocidade máxima de 60 km/h, conforme a CET-Rio da época. Em interrogatório, os peritos também afirmaram que ‘marcas de frenagem deixada pelos veículos ou por um deles não se presta para calcular a velocidade que os veículos desenvolviam antes da colisão’.
A Questão do Álcool e a Ausência de Exame Toxicológico
Um dos pontos mais debatidos do acidente de Edmundo foi a questão do consumo de álcool. Edmundo, em depoimento na delegacia dois dias após o ocorrido, afirmou ter bebido ‘meio copo de chope, provavelmente’. Já em juízo, em 1998, disse ter ingerido ‘apenas um copo de chope’ naquela noite.
Contudo, o inquérito policial da época revelou informações divergentes. O detetive Fabio de Melo reconstituiu a noite do jogador, indicando o consumo de 52 chopes, 1 frango a passarinho e 1 batata frita na Universidade do Chopp, e posteriormente 27 chopes e 2 tequilas oro na pizzaria Skipper, com anotações para ‘Marcão e Edmundo’ no recibo.
Apesar das observações, o delegado Carlos Augusto Neto Leba lamentou a ausência de um exame toxicológico nos envolvidos, destacando que a legislação da época (Código Nacional de Trânsito de 1968) não previa testes obrigatórios para atestar embriaguez. Somente em 2008, com a ‘Lei Seca’, houve um endurecimento significativo das normas.
O Complexo Processo Judicial e a Defesa de Edmundo
Edmundo foi condenado em 1999 a quatro anos e meio de prisão em regime semiaberto. A pena foi fixada pelo juiz Moacir Pessoa de Araújo, que o considerou culpado por homicídio culposo (sem intenção de matar) por três vezes e lesão corporal culposa por outras três. O juiz adicionou metade da pena máxima de homicídio culposo (que era de três anos) devido ao ‘concurso formal’ de crimes.
A defesa de Edmundo, que contou com advogados renomados como Michel Assef, José Mauro Couto de Assis e Evaristo de Moraes Filho, e posteriormente Arthur Lavigne, buscou a anulação do processo e a redução da pena. Eles argumentaram que a ‘velocidade excessiva por si só não é indicativa de culpa’ e que a tese de ‘velocidade inadequada’ era ‘difícil de ser provada’.
A defesa também tentou culpar Carlos, o motorista do Fiat que faleceu, por imperícia, alegando que ele não possuía carteira de motorista. Eles também citaram o traçado da pista da Lagoa, que forçava desvios. No entanto, o juiz relevou a inabilitação de Carlos, afirmando que ‘o fato de que a vítima fatal não possuía carteira de habilitação não significa que tenha sido ele o responsável pelo evento’.
As Consequências Pessoais e a Prescrição do Caso
O processo judicial de Edmundo foi marcado por idas e vindas, recursos e protestos da defesa contra o que chamavam de ‘pleito condenatório ilegal e injusto’. O jogador chegou a ter três mandados de prisão expedidos, ficando detido por uma noite em 1999 e outra em 2011.
Em 2011, o então ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, declarou a extinção da punibilidade de Edmundo, ou seja, a prescrição do crime. O caso transitou em julgado em 2021. Em ações cíveis, Edmundo pagou indenizações que variaram de cerca de R$ 150 mil a vítimas do acidente a mais de R$ 300 mil a familiares das vítimas fatais.
Anos depois, o acidente ainda é um assunto delicado para Edmundo. Em 2021, no podcast Inteligência LTDA, ele se queixou de perseguição da mídia e reiterou que ‘tinha culpa de estar ali naquele local, mas não tinha bebido e não estava em alta velocidade, isso foi provado na época’. Os documentos do processo, porém, apontam apenas a conclusão de ‘velocidade inadequada’ e a ausência de exame toxicológico para comprovar ou refutar o consumo de álcool, com depoimentos divergentes sobre ambos os temas. O ex-jogador, hoje com 54 anos, afirma que sua vida mudou após a tragédia e que sofreu muito com a dor das famílias envolvidas.